"o psicólogo tende a ser um elemento facilitador"
Medo de morrer, medo do sofrimento e do abandono, incerteza quanto ao futuro, receio de ficar dependente e com uma imagem diferente. Estes são alguns dos problemas que levam os doentes oncológicos a procurar ajuda, diz a jovem psicóloga clínica, Sara Teixeira.
Responsável desde 2017 pela consulta de Psico-Oncologia, do Hospital São Francisco Xavier (Centro Hospitalar Lisboa Ocidental), recebe cada vez mais doentes com perturbação psicológica e/ou distress psicológico reativo ao diagnóstico que, na sua maioria, são referenciados pelos médicos ou pela equipa de enfermagem.
"A decisão de procurar ajuda depende de múltiplos fatores relacionados com a própria doença, com as características do doente e com a sensibilidade dos profissionais de saúde" em reconhecer sinais e sintomas psicológicos e emocionais que requerem avaliação e intervenção, explica Sara Teixeira. Mas o objetivo visa sempre, sobretudo, "a aceitação, integração e adaptação à doença oncológica e à nova realidade quotidiana que surge com este diagnóstico", nota.
Cada caso é um caso
Segundo a psicóloga, "não é possível assumir um padrão de atuação transversal a todos os casos", já que - insiste - "as necessidades psicológicas dos doentes oncológicos dependem de inúmeros fatores que variam de acordo com a fase do ciclo de vida em que o doente se encontra", bem como "do tipo de patologia oncológica, das caraterísticas da doença e da sua fase, assim como das caraterísticas da personalidade de cada doente e da sua rede de suporte sociofamiliar".
Numa fase inicial - observa - "é importante facilitar aos doentes a integração da informação e da experiência (seja pela compreensão dos procedimentos terapêuticos, o valor dos mesmos no combate à doença, reações físicas e emocionais esperadas, alterações dos papéis até então desempenhados) e o desenvolvimento de mecanismos de defesa" quanto às exigências e mudanças nas rotinas de vida.
Sara Teixeira considera que é "fundamental trabalhar com o doente a possibilidade de pedir ajuda à rede externa de suporte", bem como ajudá-lo a procurar informação necessária com recurso a fontes fidedignas, a preparar o confronto com a realidade externa (por exemplo, como comunicar a doença), a concentrar-se nas principais prioridades e a estabelecer pequenas metas no controlo da doença.
Medos e hipervigilância
O início dos tratamentos é uma fase especialmente exigente, com muitos medos envolvidos, hipervigilância em relação aos sintomas e especial atenção relativamente a todas as sensações que se experimentam pela primeira vez.
"Nesta fase, é importante distinguir com o doente o que é um sinal de alerta e o que é expectável surgir, de forma a facilitar a gestão das alterações físicas e emocionais", diz a psicóloga, salientando a necessidade de "encenar precocemente estratégias" para "facilitar a adaptação aos tratamentos".
Todos os doentes com cancro se debatem com a probabilidade da morte, e "isso é avassalador", diz Sara Teixeira. Nestes casos, "o psicólogo tende a ser um elemento facilitador", afirma. "Facilitador da comunicação com os familiares, com a equipa médica. Facilitador da aceitação, ajustamento e compreensão da doença, e ainda, facilitador da expressão emocional, da concretização de tarefas importantes e da criação de significado para aquele acontecimento de vida."
A fase da remissão da doença pode também ter, para algumas pessoas, um "caráter traumático". Nesta etapa, importa ajudar na "mobilização de recursos internos e externos" de forma a "melhorar a qualidade de vida", a "reestabelecer objetivos de vida" e a "reforçar a necessidade de continuar os cuidados de saúde e a vigilância", retomando, da melhor forma possível, as rotinas habituais.
Em geral, considera a psicóloga, "é importante transmitir a ideia de que a adoção de uma atitude optimista e de recursos eficazes, de acordo com a história e personalidade de cada doente, são essenciais à superação dos momentos de crise e de mudança".
Sara Teixeira nota que "por vezes, o estado de incerteza pode provocar mais ansiedade do que o próprio aparecimento do cancro". Por isso, "ao longo do tempo, os níveis de ansiedade podem diminuir e aumentar os níveis de depressão pela necessidade de encarar uma nova existência e uma sempre eminente ameaça", explica. "A reintegração na vida normativa e o progressivo afastamento da vida hospitalar, numa fase onde os recursos pessoais e sociais são menores, torna-se também um desafio, levando mais doentes à procura de ajuda especializada."
Às consultas de psicologia chegam também muito familiares de doentes oncológicos, "sobretudo cuidadores principais, que procuram acompanhamento psicológico no sentido de compreender melhor como lidar com determinadas condicionantes da doença e reações do próprio doente", diz Sara Teixeira. "Por outro lado, existem ainda familiares que são referenciados pelo próprio doente, no contexto da consulta. Apesar de estarem muito envolvidos no seu tratamento e recuperação e na gestão das inúmeras perdas e desafios que vão surgindo têm ainda a capacidade de entender o distress presente nos familiares e, muitas vezes, são os próprios que alertam a sua família para a importância dos cuidados psicológicos."
Precisamente para dar resposta a estes casos foi criada no Hospital S. Francisco Xavier, há cerca de um ano e meio, uma consulta de apoio ao familiar do doente oncológico.
Investir na Psicologia
Para Sara Teixeira, é urgente "contemplar a intervenção sistemática da Psicologia na conceção e implementação da saúde ao longo de ciclo de vida, nomeadamente na prestação de cuidados psicológicos aos serviços de oncologia", afirma, referindo-se às principais dificuldades que existem em Portugal no campo da psicologia clínica, no que respeita às necessidades dos serviços de oncologia.
Essa intervenção realiza-se "através do crescente investimento de profissionais da área da Psicologia Clínica, reforçado já pela própria Ordem dos Psicólogos, a fim de colmatar a cobertura territorial insuficiente do número de psicólogos e, em paralelo, a distribuição assimétrica e pouco adequada às necessidades e características da população", defende.
Histórias que marcam
Das histórias que têm marcado a sua vida profissional, a psicóloga destaca duas: "Lembro-me particularmente de uma mulher que conheci, que recebeu diagnóstico oncológico, numa fase de vida muito jovem, estava grávida do primeiro filho. Foi um caso muito duro, emocionalmente", conta. "Infelizmente, para além de receber o diagnóstico e compreender a complexidade do processo que se iria iniciar, ao mesmo tempo, necessitou de interromper a sua primeira gravidez, tão desejada. Sentida como a maior perda no seu processo oncológico, vivida com imensa angústia e sofrimento. O impacto emocional desta história foi, para todos, desconcertante. Felizmente hoje está em reabilitação e remissão da doença."
Outra história que a impressionou particularmente foi a de um homem a quem foi amputada uma perna, na sequência de uma cirurgia, situação que não estava prevista. "Disse-me, quando falávamos sobre esta perda: 'É apenas uma perna, consigo ser perfeitamente autónomo, à minha maneira.' Palavras que guardo, e que protagonizam uma das muitas demonstrações de resiliência e superação dos nossos doentes."
Com eles, muito tem aprendido Sara Teixeira. "Que mesmo perante um acontecimento marcante e sofrido, poder-se-á descobrir capacidades e competências confrontativas que se desconheciam. Que ser resiliente é também saber parar, aceitar o sofrimento e aceitar os limites da nossa ação. Que não há uma única forma de experienciar o cancro, não havendo vencedores ou vencidos, mas sim pessoas que nos mostram como alimentar e fazer sobreviver a sua individualidade e dignidade, o melhor que sabem."
Tenho Cancro. E depois? é um projeto editorial da SIC Notícias com o apoio da Médis.
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